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“Gêneros Musicais”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível em http://tudo-sobremusicas.blogspot.com.br/
Autoria:
José
Eduardo Martins. Compositor e chefe do Departamento de Música da Escola
de Comunicações e Artes da USP.
INTRODUÇÃO
A
ascensão das Artes na Universidade é recente, a evidenciar o resultado de longa
aspiração originária do integrar intramuros áreas do conhecimento as mais
sensíveis e criativas. As Artes vieram completar um círculo humanístico,
trazendo ao campus universitário categorias da praxis — esta, palavra
plena nessas áreas específicas — onde a criação, que pode perenizar, tem como
desaguadouro o ato do reproduzir.
Na
USP tem-se há pouco mais de duas décadas o ensino das Artes, sendo que a
criação de um Departamento de Música data de 1970, graças ao empenho primeiro
do Maestro Olivier Toni, compreendido e estimulado pelo então vice-reitor, professor
Mário Guimarães Ferri, desde uma primeira portaria (20.01.1967) baixada pelo
Reitor da Universidade de São Paulo, professor Luiz Antônio da Gama e Silva,
quando o mesmo, em seu texto oficial reportava: "Considerando que os
Estatutos da Universidade de São Paulo prevêem no item XI, do artigo 49, a criação de um Instituto
de Artes".
Poder-se
ia considerar que, nas fronteiras da década de 70, surgia uma consciência
intramuros estimulando o ensino, a prática e a composição musicais,
desencadeando processos que descartariam a provável descontinuidade, graças aos
mecanismos oficiais. Seria nítido salientar ter havido uma semente originária
lançada pelo professor HJ. Koell-reutter, quando da implantação da Escola Livre
de Música em São Paulo
dos Seminários da Universidade Federal da Bahia nos anos 50, responsáveis pela
geração formada sob orientação do magister e que se tornou
consensualmente a mais inquisidora do país.
Depreender-se-ia
que os inícios da Música na Universidade de São Paulo foram tímidos, mas inalienáveis.
Um corpo docente pequeno, de básica titulação acadêmica, até meados da década
80, porém altamente qualificado, estabelecia-se não na competência musical —
mesmo fragilizado quanto a decisões em colegiados uspianos — mas sobremaneira
evidenciava, através de realização, a irrefutabilidade da implantação da Música
no campus. Dir-se-ia, in adendo, que parte da realidade existente
nas principais Universidades do hemisfério norte, onde a Música adquiriu
historicamente prioridades essenciais nos projetos em continuo desenvolver, tem
sido igualmente constante busca do Departamento de Música.
Se,
sob um aspecto, as Artes ampliaram a visão humanística da Universidade, num
enfoque específico da Música, critérios formativos bidirecionados estimularam,
através da prática, considerável atuação dos músicos no Brasil, graduados no
Departamento, e, numa visão teórica mais recente e exegética, a reflexão a
partir dos estudos musicológicos na pós-graduação.
Seria
sempre possível questionar a presença de extraordinários compositores e
intérpretes que jamais freqüentaram uma sala de aula na Universidade,
caracterizando a ação musical e o seu ato final, execução pública — uma outra
categoria criativa — como apriorística à toda vontade que as levaria aos vários
campi universitários. E este um foco da não-compreensão — que
infelizmente deixa sempre raízes — de outras áreas do conhecimento, sejam elas
Biológicas, Exatas e mesmo entre as Humanas, que encontram a possibilidade do
resultado profissional a partir de, no mínimo, a graduação, sendo impedida
qualquer prática plena junto à comunidade sem a diplomação e registros junto às
várias ordens corporativas. As Artes possuem esta característica formativa
bivalente a determinar a convivência circunstancial, ou não, do especialista em
plena atividade que aprendeu fora de uma sala de aulas, com o titulado em
Universidade.
O
problema poderia no âmbito das definições ambíguas, não fosse a Música na
Universidade o vislumbre do conhecimento mais aprofundado no trinômio eleito
Ensino-Pesquisa-Extensão. A Universidade teria a missão de formar o músico que
melhor estará preparado para o retorno à comunidade, mercê da possibilidade do
estudo abrangente não-particularizado ou voltado a uma só função. Não
necessariamente o intérprete-particularizado, como exemplo saído da
Universidade será mais competente em sua especialidade do que aquele que apenas
concentrou-se em seu instrumento. O que parece evidente, contudo, é a
diferenciação do pensar música, mais embasadamente naquele que durante anos
estudou nos bancos universitários do que deveria resultar, na essência da
questão, numa melhor possibilidade para o repassar conhecimentos na busca
incessante do formar gerações mais preparadas.
Neste
quase um quarto de século, assiste o Departamento de Música ao deteriorar
cultural do país, tendo como conseqüência a acentuada queda qualitativa dos
vestibulandos. Se exceções existem entre aqueles que penetram a assiduidade do campus,
elas apenas determinam diferenças de formação em se comparando com a maioria.
Esta triste assertiva reposiciona o ensino, fazendo com que a necessidade de um
recuperar o que não foi apreendido em termos de conhecimento torne-se um
desafio para os docentes que transmitem e para a maioria dos alunos que
apreendem, mas que sofreram a precariedade anterior. O esforço tem trazido
benefícios evidentes e muitos dos discentes do Departamento de Música, mal
preparados em escolas específicas decadentes, já receberam prêmios no Brasil e
no Exterior, destacando-se como instrumentalistas solistas, de conjunto ou na
composição e no ensino.
Nestes
últimos anos, parte expressiva dos docentes entrou na carreira acadêmica,
titulando-se e buscando a ascensão através de concursos que marcaram
referências musicais. A massa crítica qualitativa serviu, sob outro aspecto,
para estímulo ao aprimoramento. Verifica-se que o corpo docente que se dedica à
interpretação, à composição e à regência tem atuado significativamente no
Brasil e no exterior, atestando a qualidade da praxis dos professores do Departamento
de Música, enquanto docentes voltados à teoria têm produzido textos
significativos e participado de Congressos competentes.
Uma
das resultantes do pensar música na criação da Revista Música que, em
seu quinto ano de existência, tendo já oito exemplares publicados, possibilita
a divulgação de ensaios musicais de estudiosos brasileiros, reservando parcela
considerável de seus espaços aos textos estrangeiros, provocando a
comparatividade salutar a contrapor a tendência pátria viciosa da endogenia.
A
preocupação atual, resultante da esperança, advém da política da USP recessiva
e de absoluta contenção quanto à reposição dos quadros professorais. A saída,
por motivos vários, de professores do Departamento de Música não tem sido
compensada por imperiosas reposições. Urgiria um repensar prioridades, a fim de
se evitar o comprometimento desastroso. Inúmeros alunos talentosos que buscam
presentemente o Departamento desistem do vestibular ao saberem que não serão
assistidos em seus instrumentos pela falta de professores específicos.
Neste
1994, o Departamento de Música inaugura a sua nova casa dentro do campus,
no conjunto das Artes, onde se situam o Departamento de Artes Cênicas, a Escola
de Arte Dramática, dois teatros, todos concluídos no mesmo período. Completará
a concentração monolítica o Departamento de Artes Plásticas, cuja construção
foi interrompida temporariamente, mas que em breve terá a sua edificação
continuada. A reunião das Artes, ligadas, irmanadas, geograficamente unidas num
espaço criteriosamente escolhido, possibilitará o reestudo da criação do
Instituto das Artes, aspiração da grande maioria da comunidade, seja docente ou
discente de vários segmentos artísticos.
Nas
principais Universidades do hemisfério norte, a evidência de propósitos outros quanto
a áreas de conhecimento dispares determinou à autonomia, sob a égide de
Unidade, dos Institutos de Artes e são inúmeros os casos que na maior
competência exercem as várias especificidades artísticas. A comemoração dos
sessenta anos da USP contagia o Conjunto Arquitetônico das Artes e a
sexagenária data estimula a renovada vocação em direção ao desiderato
estatutário primo, ou seja, a criação do Instituto das Artes.
Será
possível entender, na complexidade abrangente de Unidades as mais
diferenciadas, que particularmente uma área — a das Artes — está
intrinsecamente ligada às qualidades as mais sensíveis do homem; do gestual à
captação do introspectivo, o mais profundo, que buscam a plena expansão
externa, esses atributos geo-heliotrópicos inerentes aos sentidos. Em torno dos
mesmos, no desiderato complexo do entendimento sempre parcial, gira uma das
finalidades expressivas das Artes em termos da Universidade.
Fonte:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000300072&lng=pt&nrm=iso